Os contos de fadas são uma variação do conto popular ou fábula . Partilham com estes o fato de serem uma narrativa curta cuja história se reproduz a partir de um motivo principal e transmite conhecimento e valores culturais de geração para geração, transmitida oralmente, e onde o herói ou heroína tem de enfrentar grandes obstáculos antes de triunfar contra o mal. Nos contos, que muitas vezes começam pelo "Era uma vez", para salientar que os temas não se referem apenas ao presente tempo e espaço, o leitor encontra personagens e situações que fazem parte do seu cotidiano e do seu universo individual, com conflitos, medos e sonhos. A rivalidade de gerações, a convivência de crianças e adultos, as etapas da vida (nascimento, amadurecimento, velhice e morte), bem como sentimentos que fazem parte de cada um (amor, ódio, inveja e amizade) são apresentados para oferecer uma explicação do mundo que nos rodeia e nos permite criar formas de lidar com isso.
Entre os grandes autores, além do irmãos Grimm,
encontram-se o francês Charles Perrault, que deu vida à Chapeuzinho Vermelho,
Bela Adormecida, Pequeno Polegar e Gato de Botas; Andersen, que nos presenteou
com a história do Patinho Feio; Gabrielle-Suzanne Barbot, a Dama de Villeneuvee
com a Bela e a Fera e Charles Dickens, com o Conto de Natal e a história de
Oliver Twist. No Brasil, a maior conquista foi Monteiro Lobato, cuja a obra
ainda hoje serve de base ao início literário de muitas crianças.
Origens
Fadas são entidades fantásticas,
características do folclore europeu ocidental. Apresentam-se como
mulheres de grande beleza, imortais e dotadas de poderes sobrenaturais, capazes
de interferir na vida dos mortais em situações-limite. As fadas também podem
ser diabólicas, sendo corriqueiramente denominadas "bruxas"
em tal condição; embora as bruxas "reais" sejam usualmente retratadas
como megeras, nem sempre os contos descrevem fadas "do mal" como
desprovidas de sua estonteante beleza.
As primeiras referências às fadas surgem na literatura
cortesã da Idade Média e
nas novelas de cavalaria do Ciclo Arturiano, tomando por base
textos-fontes de origem reconhecidamente céltico-bretã. Tal literatura destaca
o amor mágico e imortal vinculado às figuras de fadas como Morgana e Viviana, o
que evidencia o status social elevado das mulheres na cultura celta,
na qual possuíam uma ascendência e um poder muito maiores do que entre outros
povos contemporâneos (ou posteriores).
Características
dos contos de fadas
§ Podem contar ou não com a presença de fadas, mas fazem uso
de magia e encantamentos;
§ Seu núcleo problemático é existencial (o herói ou a heroína buscam a
realização pessoal);
§ Os obstáculos ou provas constituem-se num verdadeiro
ritual de iniciação para o herói ou heroína;
Morfologia Dos Contos de Fadas
Morfologia Dos Contos de Fadas
Em seu famoso estudo sobre o conto maravilhoso (no qual
inclui os contos de fadas), V.I. Propp afirma que ele "atribui
frequentemente ações iguais a personagens diferentes". Estas
ações (mais adiante denominadas "funções") nos permitiriam estudar os
personagens dos contos a partir das mesmas. Tendo isto em vista, Propp elabora
quatro teses principais:
1. "Os elementos constantes, permanentes, do conto
maravilhoso são as funções dos personagens, independentemente da maneira pela
qual eles as executam. Essas funções formam as partes constituintes básicas do
conto."
2. "O número de funções dos contos de magia conhecidos é
limitado."
3. "A seqüência das funções é sempre idêntica."
4. "Todos os contos de magia são monotípicos quanto à
construção."
O
significado oculto dos contos de fadas
Ao longo dos últimos 100 anos, os contos de fadas e seu
significado oculto têm sido objeto da análise dos seguidores de diversas
correntes da psicologia. Sheldon Cashdan, por
exemplo, sugere que os contos seriam "psicodramas da
infância" espelhando "lutas reais". Na visão de Cashdan, "embora
o atrativo inicial de um conto de fada possa estar em sua capacidade de
encantar e entreter, seu valor duradouro reside no poder de ajudar as crianças
a lidar com os conflitos internos que elas enfrentam no processo de
crescimento".
A
evolução dos contos de fadas
Diferentemente do que se poderia pensar,
os contos de fadas não foram escritos para crianças, muito menos para
transmitir ensinamentos morais (ao contrário das fábulas de Esopo).
Em sua forma original, os textos traziam doses fortes de adultério, incesto, canibalismo e
mortes hediondas. Segundo registra Cashdan:
“
|
Originalmente
concebidos como entretenimento para adultos, os contos de fadas eram contados
em reuniões sociais, nas salas de fiar, nos campos e em outros ambientes onde
os adultos se reuniam - não nas creches.
|
”
|
Mais adiante, Cashdan exemplifica:
“
|
É por
isso que muitos dos primeiros contos de fada incluíam exibicionismo, estrupo e voyeurismo. Em uma das versões de Chapeuzinho Vermelho,
a heroína faz um striptease para o lobo, antes de pular na cama
com ele. Numa das primeiras interpretações de A bela adormecida, o príncipe abusa da princesa em seu sono e depois
parte, deixando-a grávida. E no contoA Princesa que não conseguia rir,
a heroína é condenada a uma vida de solidão porque, inadvertidamente, viu
determinadas partes do corpo de uma bruxa.
|
”
|
Ainda conforme Cashdan, "alguns
folcloristas acreditam que os contos de fada transmitem 'lições' sobre
comportamento correto e, assim, ensinam aos jovens como ter sucesso na vida,
por meio de conselhos.(…)A crença de que os contos de fada contêm lições pode
ser, em parte, creditada a Perrault, cujas histórias vem acompanhadas de
divertidas 'morais', muitas das quais inclusive rimadas". E ele conclui:
"os contos de fada possuem muitos atrativos, mas transmitir lições não é
um deles".
Fadas em Transição
Depois de seu aparecimento no ciclo
literário da " matéria da Bretanha" nos séculos XII e XIII, através de Maria de França e Chrétien de Troyes, entre outros, as fadas voltaram ao centro das atenções com a
figura ambígua de Melusina (druidesa ou fada? mulher ou serpemte?),
personagem do romance Melusine,
publicado no século XIV na
França e que fez sucesso por mais de 100 anos.
A partir do século XVI, os contos de fadas (ainda pensados
para adultos), começaram a ser reunidos em coletâneas, entre as quais se
destacam:
§ Noites prazerosas, de
Straparola (século XVI): escritas por Gianfrancesco Straparola da Caravaggio em
duas etapas (1550 e 1554).
Ele reuniu nesta coletânea várias narrativas contadas nas diversas províncias
italianas.
§ O conto dos contos, de
Basile (século XVII): coletânea
escrita por Giambattista Basile, foi publicada pela primeira vez em Nápoles, em 1634.
Nela, Basile recria contos de fada (ou "de encantamento") da tradição
popular napolitana, tendo como narrativa-moldura a história de Zoza, uma
princesa melancólica que nada fazia sorrir. O subtítulo da obra, Pentameron, é uma alusão ao Decameron de Bocaccio,
e também ao fato de que a narrativa transcorre ao longo de cinco dias
("penta"=cinco).
Dos contos de Basile saíram alguns outros posteriormente
popularizados por Perrault: "Cogluso" é a base de "O Gato de
Botas"; "Sole, Luna e Talia" deu origem a "A Bela
Adormecida"; de "Zezolla" surgiu "A Gata Borralheira"
etc.
O Renascimento veria
ainda o surgimento de várias outras obras influenciadas pela atmosfera mágica
céltico-bretã. O próprio Shakespeare apresenta
um rei dos duendes (Oberon), uma rainha das fadas (Titânia) e um duende (Puck) em sua peça "Sonho de uma noite de verão". Mesmo numa obra mais "séria", como "Romeu e Julieta", o Bardo introduz uma fada, a Rainha Mab.
É nesta mesma tradição que Camões apresenta em "Os Lusíadas" o episódio da Ilha dos Amores, uma
reminiscência da ilha de Avalon e das Ilhas Afortunadas habitadas pelas fadas, onde os
navegantes portugueses são acolhidos por "ninfas" após "seus
esforçados trabalhos". Todavia, em fins do século XVII este conteúdo
feérico já havia sido esvaziado do seu significado mítico original, e, cada vez
mais passou a ser visto apenas "como uma relíquia esquisita da infância da
humanidade".
Romances Preciosos
De fins do século XVII até pouco antes da Revolução Francesa no Século XVIII, a decadência do racionalismo clássico
deu margem ao surgimento de uma literatura "extra-oficial" que
celebrava a "exaltação da fantasia, do imaginário, do sonho, do
inverossímil". Em sua
produção e divulgação destacou-se o papel das preciosas, mulheres cultas que reuniam em
seus "salões" a elite
intelectual da época, muitas vezes para apreciar exclusivas dramatizações de
contos de fadas.
Uma das preciosas mais conhecidas, tanto por sua
produção literária quanto por sua vida escandalosa, foi a jovem baronesa Madame
D'Aulnoy, que em 1690 publicou o "romance
precioso"História de Hipólito, onde há um episódio, a
"História de Mira", protagonizado por uma fada. Mira transformou-se
num sucesso e lançou moda na corte francesa, fazendo com que Mme. D'Aulnoy
escrevesse mais oito romances feéricos entre 1696 e 1698,
dentre os quais se destacam Contos
de Fadas, Novos Contos de
Fadas e Ilustres Fadas. Nas páginas
destas obras surgem contos como "O pássaro azul", "A princesa de
cabelos de ouro", "O ramo de ouro", posteriormente
reaproveitados como literatura infantil.
O ambiente propício criado pelos romances preciosos
possibilitou a acolhida de As mil e uma noites no início
do século XVIII, e perdurou até fins do século, quando, entre 1785 e 1789 foi publicada a série "Gabinete
de Fadas - Coleção Escolhida de Contos de Fadas e Outros Contos
Maravilhosos". Seus 41 volumes, escritos por vários autores, marcam o fim
deste tipo de produção literária voltado exclusivamente para o público adulto.
Contos de Fadas Para Crianças
As versões infantis de contos de fadas hoje consideradas
clássicas, devidamente expurgadas e suavizadas, teriam nascido quase por acaso
na França do século XVII, na corte de Luís XIV, pelas mãos de Charles Perrault. Para Sheldon Cashdan, em referência
aos países de língua inglesa, a transformação dos contos de
fadas em literatura infantil (ou sua
popularização) só teria mesmo ocorrido no século XIX, em função da atividade de
vendedores ambulantes ("mascates") que viajavam de um povoado para o
outro "vendendo artigos domésticos, partituras e pequenos volumes baratos
chamados de chapbooks". Estes chapbooks (ou cheap
books, "livros baratos" em inglês), eram vendidos por poucos
centavos e continham histórias simplificadas do folclore e contos de fadas
expurgados das passagens mais fortes, o que lhes facultava o acesso a um
público mais amplo e menos sofisticado.
Perrault e a Mãe Gança
Em 1697,
Perrault publicou Contes de ma
Mère l'Oye ("Contos da
minha Mãe Gansa"), uma coletânea de narrativas populares folclóricas e
que, num primeiro momento, não se destinavam a crianças, mas a embasar a defesa
da literatura francesa (considerada inferior aos clássicos greco-romanos por
acadêmicos da época) e da causa feminista,
que possuía como uma de suas líderes a sobrinha de Perrault, Mlle. Héritier As duas primeiras adaptações ("A paciência de Grisélidis", de 1691 e "Os desejos ridículos", de 1694)
reforçam esta tese. Apenas em 1696,
com a adaptação de "A Pele de Asno" é que Perrault manifesta a
intenção de escrever para crianças, principalmente meninas, orientando sua
formação moral.